quinta-feira, 9 de setembro de 2010

sábado, 17 de julho de 2010

Clarice Versus Hist

obscena senhora da paixao segundo ghClarice Lispector e Hilda Hilst. As duas maiores escritoras brasileiras em suas maiores obras: A Paixão Segundo G. H. (1964) e A Obscena Senhora D (1982). Embora separadas por quase vinte anos, ambas as prosas são em fluxo de consciência, ambas destinadas a registrar o caos de uma existência.

Se no livro de Clarice nós temos a iluminação de uma personagem através do contato humano que realiza com um dos seres mais antigos do mundo (a barata), no livro de Hilda encontra-se exatamente o contrário: o apagamento de uma vida que, subindo as escadas, senta-se em um degrau e não vê motivos mais para sair dali.

Gosto de pensar nos seres mais iluminados que ao passarem pela Terra não precisaram cumprir uma missão especial, ou nas vidas mais extremas que nunca se conectaram a palavras. Então, se abolíssemos as palavras de A Paixão Segundo G. H. e de A Obscena Senhora D, e com isso aparentemente abolíssemos as histórias, restando-nos somente uma fotografia de cada protagonista, com certeza através deste registro que é a linguagem (em texto ou foto) saberíamos que Hillé é louca; mas saberíamos da loucura de G. H.?

Caio Fernando Abreu disse que ao conhecer Clarice Lispector viu “uma mulher linda e estranhíssima num canto, toda de preto, com um clima de tristeza e santidade ao mesmo tempo”. Ressalta: “acho que mesmo que ela não fosse Clarice Lispector eu sentiria a mesma coisa”. E mesmo que essas obras das quais estamos falando não tenham uma carga autobiográfica, é óbvio que falam do íntimo das autoras. Em G. H. nós temos a dama contida, modulada, “linda e estranhíssima num canto”, preparada para viver sua insanidade em equilíbrio num apartamento. Mas em Hillé escapa despreocupada a indelicadeza da não-aceitação, de uma dona de casa que tem suas janelas no mesmo nível que os outros, e que não tem medo de ser vista caindo.

Em A Paixão Segundo G. H., o espelhamento cria toda a relevância do texto. Diante da barata viva e esmagada no quarto da empregada, a protagonista conhece e discursa vibrantemente nas quase cento e oitenta páginas do livro sobre seu lado humano mais real e primitivo, já que a barata é o ser mais antigo sobre a Terra e carrega essa superioridade, mas ao mesmo tempo simboliza a inferioridade mais absoluta pelo nojento/repugnante.

Em A Obscena Senhora D, a mente da mulher que perdeu o marido serve de casa para diálogos com o falecido e todo um discurso melancólico sobre a natureza da carne e do espírito. Em suas não mais de oitenta páginas, o livro também muda de foco narrativo e temporal (até falam os vizinhos o que pensam sobre a mulher louca que vive na escada ou que aparece à janela com uma máscara gigante) e transita sempre por uma prosa-poética.

Não que o livro de Lispector não seja poético. “O sol caminhara um pouco e fixara-se em minhas costas” (pág. 84). Mas as descrições dão-se muito mais pela apropriação de tudo o que há na mente humana; a poesia é encontrada no caminho, não é o caminho. E se Clarice preferia o texto do jeito exato que lhe emergia, evitando alterações posteriores porque poderia ser alterado para sempre, há de se convir que esbarramos em defeitos tão peculiares quanto qualidades. A obra consegue oscilar entre o profundo e o prolixo, o genial e o repetitivo, indo do sublime ao insuportável. Não há a necessidade de tornar o texto limpo, formatado como os fluxos de consciência de Virginia Woolf (aliás, se fôssemos discutir o que é fluxo e o que é consciência, tanto Hilda quanto Clarice estão muito mais próximas da realidade). E por ser uma explanação tão aberta, onde tudo é possível dizer da forma que se sente, surgem iluminações dentro da própria iluminação. Uma das percepções mais impressionantes trabalhadas na obra é revelar ao leitor como mentira uma das maiores invenções do homem: o sal. O sal na comida. A comida que tem gosto de vida e que, sem a mentira, tem gosto de nada. É em momentos como esses que percebemos ter um grande livro nas mãos. E talvez em A Paixão Segundo G. H. esteja o melhor primeiro capítulo já escrito para um livro na língua portuguesa.

Não que o livro de Hilst não descortine também grandes mentiras humanas. Encerra até com as divinas (sendo que o Deus de Clarice – atento, presente – é exatamente o oposto ao de Hilda). Mas isso fica em segundo plano, ao presenciarmos certos comportamentos como, por exemplo, quando começam a estranhar o jeito que a protagonista olha enquanto conversa. “É que não compreendo. Não compreendo o olho, e tento chegar perto” (pág. 21), ela explica. E sendo a poesia o caminho, a leitura flui com muito mais suavidade do que o texto de Clarice; quase não temos o que reclamar porque tudo ali foi meticulosamente estudado, como se o texto de Hilda fosse escrito por uma adolescente que passa horas diante do espelho até achar o momento exato em que seu penteado fica perfeitamente desarrumado. Só resta ao leitor se entreter (com aquele costume já conhecido em Saramago) a desvendar onde começa ou acaba um diálogo no meio de um texto sem pontos ou travessões.

por Enzo Potel

CONTOS

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TUDO COMEÇOU...



Tudo no mundo começou com sim. Uma molécula disse sim a outra e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. (Hora da Estrela)

sábado, 11 de abril de 2009

Aos claricianos

Mais do mesmo? ainda não sei esta fazendo parte de mim agora, pois estou gerando nas minhas entranhas e ainda não o conheço!